Lucifer é Satanás? Parte I

30/08/2011 12:13

 

Lúcifer é Satanás?


INTRODUÇÃO


 

"A maior façanha do diabo foi convencer a todos de que ele não existe." Charles Baudelaire – O Jogador Generoso – 1864


         Vivemos numa época de ceticismo, imersos num mundo materialista...

Parte do processo que tem levado a humanidade a uma crescente decadência em termos morais e espirituais deriva da negação da antiga personificação do Mal, a antiga "serpente", também conhecida como Satanás.
         Avançando na descrença, as tradições são vistas como obstáculos contrários ao direito de ser e pensar livremente, anunciado pelo advento de uma "Nova Era". O imediatismo consumista e o mau exemplo dos que ocupam as lideranças sociais conduzem a uma perigosa perda de referências no discernimento entre o certo e o errado. Diante da idéia de que o Mal não existe, florescem os apelos para o usufruto dos prazeres de uma vida sem culpas; sem o peso do pecado que nada mais seria do que uma forma de controle instituída pelas religiões. Principalmente, a cristã.
         Um dos grandes chamarizes desse convite à liberdade que facilmente converge para a libertinagem, abrindo portas para todos os vícios, é o objetivo indefinido de uma expansão da consciência. Deus é transformado numa inteligência universal amorfa com a qual podemos nos sintonizar através de métodos de meditação e a comunhão com uma fraternidade de mestres responsáveis pela evolução humana, no mesmo nível de Cristo.
Fazer com que o homem simplesmente negasse a existência de Deus seria impraticável, pois crer em Deus e clamar por sua misericórdia sempre resulta positivo. Ninguém estaria disposto a abrir mão daquilo lhe faz bem sem receber algo em troca. A solução para negar a Deus surge, indiretamente, pela negação de Satanás. Negar a existência do Mal, recebendo um simulacro de liberdade onde tudo é permitido, conduz à uma efêmera sensação de conforto e bem estar derivada da gratificação dos sentidos. Essa é uma troca tão comum quanto sutil...
         Como combater algo cuja existência nós repudiamos e, portanto, passamos a não enxergar? Iludido pelo propósito de conhecer a si mesmo, através de um individualismo experimental que nada condena e ainda ensina que a vontade pessoal é a única lei, o homem corre o risco de se envolver em práticas que corrompem a moral e os bons costumes, comprometendo a sua saúde física, mental e espiritual. E por ignorar a natureza do Mal, torna-se, ele próprio, o mais perfeito canal para a sua expressão.
         É necessário que a noite exista para que possamos enxergar as estrelas e reconhecer a luz de cada amanhecer. Satanás virou motivo de piada e deboche, identificado com superstições da crendice popular e aberrações das crenças religiosas. Mas a conseqüência de ignorar a existência do Mal é ignorar igualmente a existência do Bem, perdendo-se de seus princípios num mundo cujo verdadeiro príncipe é o próprio Diabo que apenas sorri e agradece.

O IMITADOR DE DEUS

 
“O demônio transportou-o uma vez mais, a um monte muito alto, e lhe mostrou todos os reinos do mundo e a sua glória, e disse-lhe:
- Dar-te-ei tudo isto, se prostrando-te diante de mim, me adorares.
Respondeu-lhe Jesus:
- Para trás, Satanás, pois está escrito: Adorarás o Senhor teu Deus, e só a ele servirás.” Mateus 4, 8-10

         Satanás é um usurpador!
         É importante ter em mente a noção de que, desde o princípio dos tempos, ele quis satanas e a tentaçãoocupar o lugar de Deus no coração dos homens.
         Uma vez que isto esteja bem claro, ficará bem mais fácil reconhecer muitas das suas artimanhas, utilizadas para confundir os homens. Boa parte delas se dá através de jogos de palavras e da perversão ou limitação de seus reais significados.
         Sem dúvida, uma delas é a distorção da relação existente entre Vênus (a estrela da manhã, estrela d’alva ou estrela matutina) e Satã.
         Sabemos que Lúcifer é uma das denominações utilizadas para identificar o Anjo Caído. Mas ela deriva de uma metáfora que granjeia os predicados de glória e beleza atribuídos ao planeta Vênus. Pelo que nos ensina a Bíblia, antes de se tornar ha-Satan (hebraico, “o Acusador”) ou al-Shaitan (árabe, “O Adversário”), o Diabo era um anjo de esplendida majestade, daí ser honrado com uma analogia à estrela da manhã. Jesus diz que ele “não se firmou na verdade” (João 8, 44), o que conduz à dedução de que ele já esteve nela algum dia e, até se rebelar, desfrutou de prestígio junto ao Criador.
         Ainda, biblicamente falando, o termo “Estrela d’Alva” parece não estar mesmo destinado a ser uma referência exclusiva, servindo como analogia para representar mais do que um único ser:

“Quando as estrelas da alva juntas alegremente cantavam, e todos os filhos de Deus jubilavam?” Jó 38,7

TEOSOFIA – A Matriz do Movimento Nova Era

         Para aqueles que não estejam familiarizados com as escolas de ocultismo, farei uma breve apresentação da Sociedade Teosófica. Alguns podem confundir a teosofia com a teologia que é o estudo sobre Deus. O vocábulo teologia deriva do grego theologia; onde theos significa Deus e logos se refere ao estudo ou razão. No cristianismo, tal estudo se debruça sobre a revelação de Deus na Bíblia, buscando obter uma compreensão racional da natureza divina. Já a palavra Teosofia deriva de theosofia, ligando theos com outra palavra grega que é sophos e significa sabedoria. Portanto, teosofia é comumente traduzida como “sabedoria divina”.
         A Sociedade Teosófica foi fundada pela aristocrata russa, médium e satanista, Helena Petrovna Blavatsky e o coronel Henry Steel Olcott, seu primeiro presidente; ambos iniciados na Maçonaria. Basicamente, a Teosofia se ocupa de um conjunto doutrinário que pretende revelar a sabedoria divina que estaria na raiz de todas as religiões e filosofias; sob o pressuposto de uma verdade única capaz de integrar todas as correntes de pensamento. Na prática, trata-se de um movimento disseminador de métodos e princípios ocultistas que propõem a comunhão com uma hierarquia de mestres invisíveis, supostamente encarregados de instruir a humanidade para a evolução de sua consciência. De acordo com os ensinamentos teosóficos, Jesus seria apenas um dos mestres dessa “Fraternidade Branca”, também denominados avatares, que eventualmente se manifestam na terra para guiar a humanidade. Ela se opõe a Teologia Cristã e como veremos no Glossário Teosófico, identifica Lúcifer ou Satanás como o verdadeiro benfeitor da humanidade cuja imagem teria sido corrompida pela Igreja.
         A Sociedade Teosófica pretendeu apresentar o novo “Instrutor do Mundo” ou “Mestre Espiritual” que seria o avatar para uma Nova Era. Seu nome era Jiddu Krishnamurti. O grande mentor de Krishnamurti e articulador da campanha para promovê-lo como messias foi Charles Leadbeater, maçom de grau 33 e líder teosófico, envolvido em escandalosas acusações de assédio homossexual e pedofilia. Para esse fim, derivaram a Ordem Internacional da Estrela do Oriente, tempos depois dissolvida pelo próprio Krishnamurti que, aparentemente, recusou-se a servir de canal para aquele propósito. Digo aparentemente porque, ao “desligar-se”, Krishnamurti se tornou um ícone da anti-religião, pregando contra o sistema, condicionamentos e toda forma de autoridade restritiva; em favor da descoberta pessoal e da liberdade experimental, onde cada um pode e deve ser o seu próprio mestre, não existindo verdadeiramente nenhum Salvador.
         Curiosamente, Krishnamurti se tornou o guru que pregava pela rejeição de mestres e gurus, nas sendas do individualismo preconizado pela Nova Era que nega a divindade de Jesus. Propositalmente ou não, diria que ele realizou com perfeição a obra para a qual foi destinado, tanto quanto a Sociedade Teosófica cumpriu muito bem o papel para o qual foi criada.
         Vejamos o que diz o Glossário Teosófico sobre Lúcifer:
 

Lúcifer (Lat.) – O planeta Vênus, considerado como a brilhante “Estrela Matutina”. Antes de Milton, Lúcifer nunca havia sido um nome do Diabo. Pelo contrário, visto que no Apocalipse (XXII, 16) o Salvador cristão faz dizer de si mesmo: “Eu sou… a resplandecente estrela da manhã*” ou Lúcifer. Um dos primeiros Papas de Roma possuía tal nome e havia até, no séc. IV, uma seita cristã denominada os Luciferianos. [Lúcifer vem de Luciferus, portador de luz, aquele que ilumina, e corresponde exatamente à palavra grega Phosphoros]. A Igreja dá hoje ao Diabo o nome de “trevas”, enquanto que no Livro de Jó chama-se de “Filho de Deus”, a brilhante Estrela Matutina, Lúcifer. Há toda uma filosofia de artifício dogmático devido ao fato de que o primeiro Arcanjo, que surgiu das profundezas do Caos, foi chamado de Lux (Lúcifer), o luminoso “Filho da Manhã” ou Aurora Manvantárica. A Igreja transformou-o em Lúcifer ou Satã, porque é anterior e superior a Jehovah e tinha de ser sacrificado ao novo dogma. (Doutrina Secreta, I, 99-100) Lúcifer é o portador de luz da nossa Terra, tanto no sentido físico quanto místico. (Doutrina Secreta, II, 36). Na Antiguidade e na realidade, Lúcifer, ou Luciferus, é o nome da Entidade Angélica que preside a Luz da Verdade, o mesmo que a luz do dia. Lúcifer é a Luz divina e terrestre, o “Espírito Santo” e “Satã” ao mesmo tempo (Idem, II, 539). Está em nós; é nossa Mente, nosso Tentador e Redentor, o que nos livra e salva do animalismo puro. Sem este princípio – emanação da mesma essência do puro e divino princípio Mahat (Inteligência), que irradia de um modo direto da Mente divina – com toda a certeza, não seríamos superiores aos animais. (Ibidem, II, 540). Lúcifer e o Verbo são um só em seu aspecto dual. Equivale ao Ezanas-Sukra da Índia. (Ver Chandra-vanza, Luz Astral, Satã, etc.)  Glossário Teosófico – página 328
Mediante o glossário teosófico, Lúcifer, além de Satã, seria o próprio “Espírito Santo”. Esta é uma afirmação bastante esperada, uma vez que é da índole de Satanás tentar se passar por Deus. Neste caso, com o objetivo de roubar a glória da verdadeira “Estrela Radiosa da Manhã” que é Jesus. Vejamos a íntegra do trecho Bíblico citado pelo Glossário:


“Eu, Jesus, enviei o meu anjo, para vos testificar estas coisas nas igrejas. Eu sou a raiz e a geração de Davi, a resplandecente estrela da manhã.” Apocalipse 22,16

         Jesus declara que enviou o seu anjo e não que é um Anjo, muito menosLúcifer-Anjo. A conclusão do glossário é capciosa, pois toma a expressão “estrela da manhã” por Lúcifer, no sentido de ser o Anjo Caído, ao invés de ser a denominação romana para a Estrela D’Alva, usando de astúcia para confundir Satã com o Salvador da Humanidade... O Filho de Deus se identifica claramente como Jesus, adotando para si os atributos da “Estrela da Manhã” porque Ele é a verdadeira luz que anuncia a chegada do Pai; simbolicamente, o Sol de um novo dia que irá raiar sobre um mundo mergulhado nas trevas.
         Além disso, antes de qualquer analogia, Jesus estabelece a sua linhagem com Davi que nada tem a ver com Lúcifer e cuja menção é omitida no texto do Glossário.

VÊNUS ASTRONÔMICO

         Vênus, juntamente com Mercúrio, possui uma órbita interior à órbita terrestre; trata-se do segundo planeta do sistema solar e o seu brilho só é excedido pelo Sol e pela Lua. Para entender melhor o significado simbólico, é fundamental estudar um pouco sobre Vênus, do ponto de vista astronômico.
         As órbitas planetárias não são perfeitamente circulares, mas alongadas ou elípticas (círculos achatados). Além disso, os planetas não se movimentam nivelados dentro de um mesmo plano. Cada qual realiza o seu percurso em torno do sol com uma inclinação orbital que lhe é própria.
         Geometricamente, o círculo é considerado a figura mais perfeita e harmoniosa; aquela que começa e termina em si mesma, remetendo, portanto, à idéia de Deus; o alfa e o ômega; o princípio e o fim. Curiosamente, além do brilho, uma das peculiaridades de Vênus é possuir a órbita mais circular entre todos os demais planetas.
          A simetria é uma característica diretamente relacionada com a beleza e até em seus movimentos, Vênus demonstra graciosidade ou elegância.
         Por sua natureza dupla, Vênus é um planeta digno das escolas de mistérios. Na mitologia grega é Eósforo quando surge como estrela matutina e Héspero quando aparece ao entardecer. Para os romanos é Lúcifer, no nascer da aurora; e Vésper, no cair da tarde.
         Essa “duplicidade” é explicável pela Mecânica Celeste, ramo da astronomia que estuda o movimento dos corpos celestes e sua posição relativa. Estamos situados no planeta Terra e nossas observações do movimento dos demais planetas estão baseadas neste nosso ponto do sistema solar. Em outras palavras, a nossa perspectiva celeste está relacionada e é influenciada pelo nosso referencial terrestre.
         Visualizando que os planetas do nosso sistema se movimentam em diferentes velocidades, com diferentes órbitas e inclinações, estando localizados interna ou externamente em relação à órbita terrestre podemos compreender que aquilo que vemos da Terra representa o movimento aparente dos astros.
         Prestemos atenção nisto: em termos astronômicos, existe o movimento real e o movimento aparente que nada mais é do que a impressão que temos ao observarmos o trajeto dos corpos celestes do ponto de vista geocêntrico. Embora não aconteça de modo real, do ponto de vista geocêntrico, em certos períodos, os planetas parecem reduzir a marcha, estacionar, voltar para trás em seu percurso (movimento retrógrado), reduzir a marcha novamente, estacionar outra vez e então retomar o passo para frente (movimento direto).
         Observemos um movimento hipotético na ilustração abaixo:
         Na realidade o planeta não inverteu verdadeiramente o sentido do seu movimento. Essa inversão apenas parece ocorrer porque a Terra também faz parte do sistema solar e participa dessa “dança planetária”.
         A próxima animação foi criada para ajudar a esclarecer este comportamento visual. Informo que é meramente ilustrativa, não obedecendo ao formato das órbitas dos planetas, efemérides (tábuas astronômicas que indicam as posições planetárias) ou escalas de correspondência proporcional com suas dimensões reais. Além disto, para fins didáticos, serão exibidos apenas o Sol, Vênus e a Terra.
         Dentro do quadrado, no lado esquerdo, tentei reproduzir o movimento de Vênus na perspectiva do observador terrestre. No lado direito, na visão sideral, usei uma linha reta para ligar os dois planetas, projetando no espaço o movimento de Vênus visto da Terra, de acordo com os ângulos formados na translação dos dois corpos:

         Por estar dentro de uma órbita interior à órbita terrestre, Vênus nunca se distância mais do que aproximadamente 48º do Sol (sua maior distância ou elongação máxima) na perspectiva geocêntrica.
         A intensidade de seu brilho e a mudança aparente de sua localização no céu, que pode ser anterior ou posterior ao Sol também deriva do nosso ponto de vista como observadores posicionados na Terra.
         Dependendo da época, o planeta Vênus pode ser visto subindo do leste e antecipando o nascimento do Sol como “Estrela da Manhã”, Eósforo ou Lúcifer; tanto quanto pode descer ao oeste, coroando o pôr do Sol como “Estrela Vespertina”, Héspero ou Vésper. Mas se trata de um fenômeno aparente, uma ilusão de ótica derivada do nosso local cósmico de observação.
         De igual modo, quando esse fenômeno é transposto para a linguagem simbólica, a expressão “Estrela da Manhã” não representa uma condição real, mas uma comparação imaginária da qual é possível extrair os atributos que desejamos associar a um anjo, a um rei ou ao próprio Filho de Deus.
         Através de uma coisa é possível representar ou sintetizar outra ou mais de uma... Disso derivam figuras de linguagem como metáforas, alegorias e parábolas.

Continuação deste Artigo: 

 Lúcifer é Satanas? Parte II Continuação

 

 

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